sexta-feira, 13 de abril de 2012

"Abriu o caderno depois de muitos anos. E viu que ainda havia uma velha flor amarela entre as páginas. Ele a tinha dado. As lágrimas brotaram como se chovesse e ela percebeu que nada tinha mudado ou ficado para trás. Releu coisas banais que não escrevia desde aqueles dias e noites de dor. A dor voltara. Deveria ela voltar a escrever?
O corpo estava lá, estirado num caixão, esperando as oito horas do dia dezenove de abril para que ninguém o visse mais. E ela estava lá - meu anjo -, sentada às bordas de uma banheira cheia, com uma extrema vontade de mergulhar e um medo eminente de ter a certeza de que aquilo não seria feito.
Largou o caderno.
Soltou a flor amarela por uma janela do edifícil e observou a planta fragilizada descer os grãos da cidade poluída até que tocasse o chão. Tudo aconteceu em bem menos tempo que ela esperava. Talvez, as oito horas viessem depressa. Ainda assim esperava não ver tanta frieza no olhar de todos, quanto no corpo dele e nos comentários dos hipócritas. Todos deveriam sentir mais.
Um carro do ano passado passou por cima da flor. Todos esmagam as coisas pequenas e frágeis. Muitos o fazem até sem perceber. Tudo aquilo soava tão sincero quanto absurdo. E ela queria acreditar que tudo não passava de um sonho.
Águas passavam. Águas salgadas e quentes deciam pelo seu rosto, enquanto empurrava um maxilar contra o outro em uma tentativa agônica de prender um grito. Deitou-se na banheira. As roupas molhadas eram as mesmas da tarde. Os pensamentos eram tão turvos... A calça soltava uma tinta que se propagava com tamanha fluidez, quanto a vida, aos poucos, parecia deixar seu corpo.
Puxou o ar. Era muito para a pouca vontade de que ele durasse.
Passos no corredor. Melissa. Esperava que não abrissem a porta.
Olhou para os dois lados como se fosse pecado crer em um Inferno. Mergulhou.
As águas cobriram seus olhos abertos e as mechas de seus cabelos escuros. Viu o azul da calça e o medo em si. Era tudo instigante, que a angustiava.
Pensou nele, na flor, nos outros (até em Melissa)...
E por último pensou em voz alta "Quem dera escrever um poema.". E, com isso, soltou as últimas partículas de ar."

Em "Quarta-Feira, 19", "A Terça Parte das Sete". Por Nina Guimarães.

Curso

Vai-se o vento entre as entranhas do ventre
Frio
E já em carne viva

Vai-se o tempo entre os dois lados da foice
Quente
Pintada em cor de vida

Vai-se o tempo em que o vento sentia
Foi-se
E do amargo ventre
Em um punho quente
Uma foice viva
Pinta os dois lados
Da cor dos lábios
Das entranhas frias
Das carnes da vida

Em Vão

A carne é dura
A alma é pura
A força é bruta
E o amor é a injúria
Vieram
Vem
Ou virão
A querer

Ausência

Falta ar
Falta vida
Falta noite
Falta dia

Falta fala
Falta luz
Quem se cala
Leva a cruz

Falta mar
Falta calma
Falta lar
Falta alma

Falta a Lua
Falta fria
Falta crua
Falta viva

Falta tudo
Falta nada
Falta mente
E emoção
Falta teto
Falta casa
Falta brisa
Falta fogo

Falta chão.

Palavras Introdutórias e Sem Tanto Sentido

Eu devo dizer, antes de tudo, que nem sempre o escrito por cá será agradável. Você pode se sentir compreendido ou achar tudo por aqui um absurdo. Abiose em Inércia.
Abiose: Ausência total e completa de vida.
Inércia: Lei da Física que determina que um corpo permanece em repouso ou movimento, até que uma Força (oriunda de um corpo ou Grandeza) o converta no estado oposto.
É ruim esperar a Inércia vir.